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Tsu ni naru

Inverno de 1240
Em casa, Kirigakure no Sato

Espaço reservado para as narrações de uma RPFB, ou seja, uma narrativa no passado estritamente fechada. A postagem de terceiros só será aprovada em caso de avaliadores.

Tsu mi naru pode ser traduzido livremente para "torne-se um";

Fazia frio, Naoko mal conseguia se postar no batente da porta como costumava fazer sem que o vento cortasse seu rosto e congelasse a ponta de seu nariz esbranquiçado. A menina normalmente não gostava daquela época, não podia passar mais tempo fora e tão pouco conseguia se unir à árvore de sua mãe no quintal que, naquela altura da estação, estava despida e parcialmente coberta de neve. O que lhe sobrava era observar estando protegida e aquecida dentro de sua casa vez e outra com a companhia do velho Hiaru.

Normalmente, seu pai mal estava em casa, era como se ele não morasse ali já que a cada dia se tornava mais raro que Naoko passasse mais do que algumas horas na presença do pai. Mas naquele dia, seria diferente. A neve não permitia que o homem saísse e tão pouco que a própria menina fosse para qualquer lugar. Teriam de sobreviver as horas que se estenderiam, juntos.

O velho Hiaru não era um exemplo de pai, tratava Naoko como se a menina fosse uma adulta e lhe ensinava coisas de maneira fria e severa. Não era em nada carinhoso com a primogênita, porém quando questionado sobre a falta de afeto se sentia intensamente ferido, dizia que seu amor era demonstrado dando o que ela realmente precisava, “noção do mundo”... Pobre Hiaru, se soubesse que na verdade apenas estava fazendo com que a menina se tornasse menos afetiva e ainda menos “criança”, teria feito tudo diferente. Porém, nem tudo era péssimo ou de se jogar fora, às vezes ele lhe ensinava coisas que em algum momento poderiam fazer diferença na vida da garotinha e naquele dia, o que lhe seria ensinado mudaria em partes  os passos de Naoko.

— A árvore não vai sair andando de lá, se continuar parada nessa porta, a única coisa que vai conseguir é pegar um resfriado. — O homem resmungara para a menor enquanto indicava que a mesma deveria deixar o seu “posto” enfim. — Você não tem nenhum dever para cumprir da tal academia?

— Não papa. — Ela devolvia a resposta rápida enquanto fechava a porta sob suas costas finalmente abandonando a falsa vigia que estava fazendo. — Quer que eu faça alguma coisa para o senhor?

— Um chá para aquecer, depois tem algo para lhe mostrar já que a tal academia não anda te ensinando nada relevante. — Hiaru não era muito fã da nova sociedade de ninjas que vinha surgindo com o tempo, acreditava que a “classe” havia se perdido e que ser um já não valia de muita coisa, “Se quer poder e respeito se torne kage ou rico,  nos dois casos você vai ter que ser engenhosa e melhor antes de conseguir”, era o que o homem insistia sempre em dizer para a filha.

De forma obediente,  a menina atravessou a sala em silêncio. Não por não ter o que questionar, muito pelo contrário, Naoko tentava conter a curiosidade sobre o que lhe seria ensinado daquela vezes. Nem sempre era algo que realmente lhe agradava ou  chamava atenção, mas naquele momento algo lhe fazia pensar que teria de fato uma surpresa, Talvez fosse a entonação da voz do genitor ou as palavras escolhidas por ele. Enquanto deslizou pelo cômodo a garotinha se manteve atenta tentando encontrar pistas que pudessem lhe dizer o que esperar.

Enquanto ficava na ponta dos pés para alcançar o bule que ferveria a água, a mesma aproveitou para passar os olhos sobre as costas do pai, talvez estivesse escondendo algo ali que lhe seria mostrado… Não, não havia nada, nem mesmo sobre a mesa junto das mãos do mais velho. Os lábios da morena se contorcem em reprovação enquanto se permitia terminar de preparar o chá. — “Bom, ele disse que ensinaria algo e que seria melhor do que qualquer coisa da academia… Huuuum, talvez seja sobre jutsus? Não, não Naoko, obviamente não é isso.” — Enquanto aguardava que a água fervesse, a menina tentava adivinhar o que seria através de deduções criadas com o pouco de informação que tinha e mais uma quantidade de percepção. De qualquer forma, mesmo que o ensinamento não fosse lhe agradar, ao menos aquela fase de “investigação” lhe estava entretendo.

Os minutos se passaram, o chá havia ficado pronto e a menina continuava a tentar captar qualquer nova dica que lhe pudesse ser útil revisando mentalmente a simples frase diversas vezes enquanto carregava a bandeja arrumada para junto da sala novamente.

Da mesma forma que havia feito anteriormente, Naoko cruzou a sala em silêncio, mas optara por fazer o caminho pelo outro lado, com isso passando mais próxima das costas do homem, conseguindo notar que algo estava sobre suas pernas. O que era? Ela deixou a bandeja com o chá, serviu o mais velho e tomou seu lugar defronte com o mesmo sem ter conseguido ver com clareza o que ele portava.

Considerações:

Um suspiro escapou pelos lábios da garotinha que  estrategicamente  disfarçou com o vapor que subia em sua frente nascendo da xícara de chá. Estava levemente desapontada consigo mesma, não havia conseguido descobrir o que era aquilo que seu pai portava antes mesmo que ele pudesse lhe mostrar. Era normal que Naoko se sentisse frustrada, a menina tinha o péssimo hábito de se cobrar de maneira dura até mesmo em coisas pequenas e sem muita importância como aquela. Outro suspiro e enfim uma golada significativa no chá de matcha levemente adoçado. O líquido quente lhe descia pela garganta fazendo com que a mesma esquecesse de sua própria insatisfação e se deliciasse com a sensação gostosa de ter o corpo aquecido.

Os olhos dela se mantinham fechados e um sutil sorriso lhe ocupava o canto dos lábios. Enquanto Naoko permanecia distraída, o velho Hiaru lhe observava com uma atenção que era totalmente desconhecida pela menor quando o foco de tal ato era ela. Certamente se a criança tivesse notado, teria estranhado e logo questionaria se aquilo nos olhos negros de seu pai era uma verdadeira centelha de afeto.

—Bom, obrigado pelo chá Naoko, estava muito bom como em todas as outras vezes. Talvez um dia consiga preparar um matcha perfeito como o que sua mãe fazia para mim. — Aquela frase ríspida era o sinal de que a tal centelha havia sido apenas uma doce ilusão… ou talvez apenas uma forma de mascarar. Hiaru afastava a xícara com as costas das mãos enquanto livrava o espaço diante de si ainda na mesinha, Dedilhava a madeira com a ponta dos dedos esperando que a menina entendesse o que deveria fazer em seguida.

A menor tivera o sorriso arrancado do rosto na mesma velocidade em que fora colocado: Tão rápido e de uma só vez, assim como eram os golpes que precisava aprender na academia… Mas isso lhe ocuparia a mente em uma outra hora. Finalizando sua própria bebida, em silêncio assim como em todo o tempo que antecedeu, ela recolheu o aparelho de chá e se retirou para a cozinha uma segunda vez cabisbaixa. Deixara a bandeja em cima do balcão da pia e  enxugou o rosto na manga do próprio quimono. Por mais duro que Hiaru tenha sido, a menina não deseja demonstrar ter se afetado ou sofreria o desenrolar de um discurso ainda mais machista e promovendo a superioridade que a menina um dia deveria atingir..

— Ande logo Naoko, ou mudarei de ideia sobre te ensinar alguma coisa hoje. — A voz do homem ecoou até o cômodo da cozinha em um tom impaciente. Aquele era seu pai na maior – já pouco  – parte do tempo. Sempre impaciente e ríspido.

Tentando deixar para trás o desconforto causado pelo genitor, a garotinha voltou para a sala em passadas rápidas. Sem muita demora, postou-se novamente em seu lugar e ficou encarando e memorizando  o ritmo do batucar criado pelos dedos de seu pai.  O silêncio não se estendeu por muito tempo, logo o homem permitiu que Naoko tivesse uma visão melhor daquilo que outrora permanecia no completo anonimato.

Em cima da mesa, havia algo até então envolto por camadas de um tecido claro, parcialmente amarelado dando a indicar que havia estado guardado durante um bom tempo e, provavelmente, de uma maneira inapropriada. — “Mama estaria irritada com essa coisa toda descuidada… seja ela o que for”. — Os olhos de Naoko caíram sobre aquele mistério tentando mais uma vez adivinhar o que era. O que se encontrava enrolado pelo pano tinha alguns centímetros a  mais que o tamanho de seu braço inteiro. Não havia muitas coisas que poderiam estar ali… Bom, não haveria tantas possibilidades se Hiaru não fosse um grande acumulador e de coisas e tivesse exemplares e mais exemplares de itens estranhos e desconhecidos no porão de sua casa.

— Conseguiu adivinhar o que é? — Indagou o homem enquanto cruzava os braços sobre o peito notando o esforço que a garotinha fazia tentando descobrir o que ele estava escondendo ali.

— Huum, eu não faço muita ideia do que possa ser Papa, talvez… Huum, bom um instrumento novo para auxiliar em alguma tarefa? — Naoko estava sendo extremamente vaga em sua resposta uma vez que a pobre menina realmente não tinha noção do que poderia ser, porém, não desejava deixar o mais velho  sem uma resposta para emendar.

— Não está ao todo errada, mas confesso estar um tanto desapontado com o seu desempenho em descobrir o que é. Estava se esforçando tanto desde que comentei que tinha certeza de que saberia de alguma forma. — O homem esboçou um sorriso rápido para a criança que em resposta corou instantaneamente. Ele havia notado toda a movimentação da primogênita em prol de prever o que sucederia ao chá, porém não facilitou para a mesma e apenas se divertiu com a situação. — Não fique assim, você é bastante observadora e curiosa, isso vai lhe ajudar muito no decorrer da vida.

Sem dizer uma palavra sequer, a menina apenas concordou com um balançar de cabeça enquanto mantinha os olhos fixados do objeto surpresa esperando ansiosamente para descobrir o que realmente era. As coisas estavam começando a se tornar divertidas novamente para a garotinha e o suspense propositalmente criado pelo homem atiçava ainda mais a curiosidade da outra.

Finalmente após deixar que Naoko pudesse tentar adivinhar mais algumas vezes, Hiaru passou a desenrolar o objeto. A cada dobra do tecido que era desfeita, mais atentos ficavam os olhos da menina, Duas, três, quatro… A oitava dobra finalmente fora desfeita  e o que se revelou por baixo do tecido era uma… Bom, o que exatamente era aquilo?

Considerações:

As sobrancelhas da menina se acirraram fazendo com que uma espécie de careta fosse criada em sua face. Aquela expressão era um tanto normal para a mesma, costumava aparecer quando se concentrava demais em algo ou estava verdadeiramente intrigada. Naquele momento, o motivo da expressividade era sem dúvidas devido o quão intrigada havia ficado com o objeto desconhecido.

Como já era de se esperar vindo de uma criança de dez anos, o primeiro reflexo que a garota viera a ter fora de se aproximar um pouco mais da mesa, ficando com o corpo parcialmente sobre o móvel obrigando que o homem se afastasse alguns centímetros para trás caso não quisesse ser acertado pela cabeça da outra. O segundo impulso fora o de levar a destra de encontro ao objeto, porém fora interceptada pelo mais velho antes que pudesse tocar aquilo que em breve descobriria ser uma lâmina.

— Não faça isso menina, quer acabar se cortando e pegando uma infecção? — Indagou Hiaru com um semblante sério enquanto afastava a mão da filha fazendo com que a mesma tomasse a sua postura anterior. — Enfim, agora sabe me dizer o que é isso, não sabe?

— Não com muita certeza, mas por saber que iria me machucar, chuto que seja uma faca bem grande. — Naoko desdenhou dando de ombros contendo um pequeno sorriso sem graça. Queria ter dado ao pai uma resposta mais completa do que aquela, mas não se lembrava de ter visto, nem mesmo na academia até então, algo como aquilo.

Sobre a mesa, apoiada no tecido que outrora lhe embrulhava, se encontrava uma espécie de arma a qual, como a própria aspirante a kunoichi havia observado, se assemelhava com uma grande faca, mas com algumas diferenças consideráveis. Já havia nota de antemão a dimensão daquele instrumento, porém se surpreendia com o como parecia ligeiramente fina em alguns pontos.  Quando finalmente pôde se desprender daquilo que pressupunha ser a lâmina, seus olhos púrpura caíram sobre uma uma parte mais densa que aparentemente era feita de um segundo material e trazia entalhes que a menina não conseguia ler com precisão.

— O que exatamente é isso, Papa? Não tinha visto nada assim antes. — A voz de morena estava carregada da curiosidade que lhe enchia. Havia muitas perguntas que gostaria de fazer a respeito daquele novo item que contemplava, porém optara por começar com algo simples já que não tinha intenção de passar por cima do ritmo que seu genitor pretendia seguir com o tal ensinamento que estava começando a ministrar.

— Essa é uma espada, Naoko. Estou surpreso que não apresentaram nenhuma dessas na academia ainda? O que exatamente esse pessoal anda ensinando afinal de contas?! — Por um instante fora quase palpável a insatisfação do homem. Para o mais velho, as coisas haviam mudado muito com o final da guerra a cinco anos, em sua cabeça esperava uma atitude mais rígida do governo da vila, mas aparentemente a paz era tudo que importava e até mesmo o ensino está ficando mais falho na academia. Respirando pesadamente, Hiaru afastou a insatisfação e voltou a focar no que importava naquele momento. — Bom, isso não importa, vou te ensinar sobre essa belezinha hoje.

Ele se levantou tomando a tal espada em mãos enquanto dava alguns passos para a direita, ficando assim afastado da mesa. Naoko permanecia atenta a cada ato que o mais velho fazia além de estar completamente interessada em toda a teoria que sabia vir em seguida.

— Veja bem, existem diferentes tipos de espadas por aí, desde modelos simplistas e com uma apresentação comum até espadas que dificilmente alguém chamaria assim se visse pela primeira vez sem informação. Não é muito comum o uso dela entre a maioria dos ninjas hoje em dia, apesar de que em minha opinião é uma arma muito útil. — Hiaru fizera uma breve pausa na explicação enquanto empunhava a tal espada com as duas mãos tomando a postura de um guerreiro que a menina nunca havia presenciado. — Consegue ver como  esse modelo tem a lâmina mais alongada e levemente curvada?

A garota apenas assentiu com um segundo balançar de cabeça enquanto direcionava os olhos pelo arma prestando atenção no detalhe mencionado pelo genitor que antes lhe havia passado totalmente despercebido.

—  Pois bem, esse é o modelo mais tradicional de uma katana, mas podemos encontrar ela com a lâmina completamente reta também, mas quer tentar adivinhar o motivo dessa aqui ter essa curva?  — O homem perguntou enquanto se aproximava da filha se abaixando sutilmente para que ela pudesse ter uma visão da arma mais completa e próxima.

Finalmente Naoko pode estar tão próxima da tal espada que podia ver ser reflexo – bastante embasado – na lâmina já desgastada pela ação do tempo. Enquanto olhos curiosos analisavam o material, a mente ativa tentava encontrar entre os armamentos que conhecia, algo que também fosse curvado e pudesse lhe dar uma pista para a resposta.

Considerações:

Após alguns longos minutos analisando a espada sem encontrar uma resposta sequer plausível para a questão dada, Naoko concordou em desistir e deixar que o pai seguisse com a explicação, afinal de contas, se não cedesse, ficaria ali por horas e ainda não acharia uma solução que lhe parecesse aceitável.

— Honestamente não faço ideia, mas não me parece muito prático né? Como eu vou furar o meu inimigo com facilidade se a espada é curva, Papa? — A menina questionou enquanto encenava o movimento de estocada que normalmente fazia com uma de suas kunais. — E eu acredito que ela também não foi feita pra arremessar não é? Não me parece muito bom pra ninjas mesmo.

A garotinha havia levantado questões um tanto interessantes para serem respondidas pelo mais velho e ainda mais plausíveis quando entendido que foram feitas por uma estudante que até então não conhecia aquilo e seu contato havia sido limitado aos instrumentos básicos encontrados na academia. Hiaru riu abertamente para a menina de uma maneira que raramente fazia pois, normalmente, a causa sempre era algo que não tinha haver com a mesma. Uma das sobrancelhas da pequena se arqueou indicando a pequena confusão que começava aflorar em seu interior. — “ Do que ele tá rindo?!"

— Você está certa Naoko, esse tipo de katana não foi feita pra arremessar e também não é usada pra dar estocadas no adversário. — Como a penúltima palavra dita pelo homem, a menina voltou a assumir a feição de dúvida e logo entendeu que a mesma não conhecia aquele termo. — Estocar com a espada é quando você fura com ela. — E assim como a garotinha havia feito anteriormente, o homem repetiu o movimento com a mão livre da espada. — Esse tipo de katana em tempos mais antigos era usada por outra classe de soldados, não sei se já chegou a aprender sobre os samurais, mas essa mesmo pertenceu a um que já faleceu  e tive o prazer de ficar com ela.

Dava pra ver nos olhos do homem a felicidade que o mesmo tinha em falar daquela arma, porém Naoko não se dava por convencida com a curta história sobre a origem da espada em questão e sabia que não era toda a verdade, porém naquele momento, a mesma estava interessada em entender a funcionalidade do equipamento e não sobre os causos e casos antigos de seu genitor.

— O que são samurais, Papa? Como eles usavam  a espada?

— Bom, samurais são como ninjas, mas o estilo de luta deles é um tanto diferente e não usam esses… Esses jutsus diferentes que os ninjas estão acostumados a ser dependentes. Quero que aprenda sobre o uso de espadas pra que não seja dependente dessas habilidades. — A menina sentia a veracidade na fala de seu pai e também um pouco do peso que carregava. De fato Hiaru estava certo, ser dependente de um único estilo de batalha ou arte era inviável e Naoko iria aprender isso com o tempo. — Sobre a lâmina curva, tem um bom motivo. Normalmente esse tipo de espada é carregada na lateral do usuário, por consequência quando ela é sacada de forma rápida no combate o movimento que é feito acaba sendo na diagonal e a curvatura facilita o corte desse jeito.

Voltando a se ergueu tomando uma distância segura de onde a menina se encontrava, Hiaru simulou o movimento de saque que deveria ser feito. Primeiro posicionou a espada na lateral esquerda do corpo, como se ela estivesse presa em uma bainha invisível e em seguida se preparou usando da destra para realizar o ato de saque da arma. Segurando com firmeza e lentamente para que a criança pudesse observar com atenção, desembainhou a espada realizando um movimento de baixo para cima em diagonal da esquerda para a direita.

— Viu? Esse movimento é o básico e caso fosse realizado em uma velocidade significativa, em uma distância consideravelmente curta no início de uma batalha, com certeza lhe renderia uma vantagem e daria algumas cicatrizes ao seu inimigo. — Quando enfim terminou de demonstrar como realizar o movimento, o mais velho voltou a se sentar em sua posição inicial junto da mesa, deixando a espada sobre a mesma.

— Papa, parece meio difícil usar ela, não é? Acho que me confundiria tentando usá-la. — Antes de se unir novamente a mesa, a menina tentou repetir a encenação de seu pai, porém com aquilo que a mesma considerava como sua “katana invisível”. Postou as mãos na lateral direita do corpo e imitou o saque da espada. — Ou talvez não, não consigo saber ao certo, mas parece meio desengonçado.

Com uma careta instalada em seu rosto, a menina voltou a se sentar junto do pai que mais uma vez sorria para a mesma enquanto tentava polir a lâmina.
 

Considerações:

Por um tempo o homem se manteve em silêncio enquanto continuava a polir a arma marcada pelo tempo e uso. Naoko prestava atenção no cuidado que o mesmo tinha com aquele item e podia sentir aquela conexão que anteriormente havia notado quando por alguns instantes ele contava brevemente a história. Estava começando a ficar curiosa em descobrir mais sobre o passado da espada, porém não tinha certeza de que havia espaço para as perguntas que gostaria de fazer. Tinha medo de acabar estragando o momento que estava tendo com o genitor. Por mais que a intenção fosse apenas de passar para a mais nova um novo conhecimento e aproveitar o tempo enquanto a neve caía, para Naoko aquela experiência estava sendo muito mais significativa, estava guardando em sua memória um momento “feliz” com o velho Hiaru.

Antes mesmo que a garotinha pudesse se pronunciar com alguma nova pergunta, Hiaru findou o ato de polir e ficou por por alguns instantes encarando a outra. Naoko por sua vez arregalou sutilmente os olhos enquanto os lábios se pressionaram sentindo um pouco de desconforto com a situação até que enfim a voz do homem se fez presente mais uma vez.

— Quero que fique com ela. — E sem pensar duas vezes,  ele arrastou a arma ainda sem cima da mesa para mais perto da menina.

De fato aquilo havia pego a criança de surpresa. Raramente era presenteada, ainda mais quando o presente se tratava de algo tão inesperado quanto aquele. Ela engoliu o nó que se formou em sua garganta e balançou a cabeça negativamente. Tinha medo de acertar. Talvez aquilo fosse apenas um ato impensado do pai e que seria repensado em algum momento. Era melhor evitar se apegar em algo que poderia ser tomado.

— Obrigada Papa, mas não posso aceitar, ela é sua. — A morena fez uma sutil reverência curvando a cabeça para frente em agradecimento. Tentando ter sua recusa melhor aceita, optou por tentar encontrar um argumento que lhe ajudasse. — E eu não saberia usar, acabaria me machucando como o senhor mesmo disse.

— E é por isso que você vai treinar antes de tomar posse completamente dela. — Hiaru então se levantou. Ainda com o sorriso sustentado em seu rosto, lançou uma piscada na direção da menina e tomou a espada com a destra.

A menina permaneceu sentada enquanto os pés do mais velho o guiaram até a parte inferior da sala. Estando lá, o mesmo fizera questão de deixar a arma exposta, na altura do olhos, com a ajuda de um suporte de parede.

— Até você conseguir dominar, ela vai ficar aqui. Mas espero que em breve esteja junto de você, como um só. — As palavras saíram sutilmente abafadas umas vez que ele não havia se voltado para a menina antes de falar. Naoko havia escutado aquilo com um certo peso, porém não pela dificuldade de escutar, mas com aquilo que poderia significar.

— Me tornar uma só? Como assim? — A dúvida da garota era genuína. O semblante de confusão não havia lhe abandonado enquanto apoiava os cotovelos sobre a mesa e mantinha o rosto levemente virado na direção do genitor.

Antes de responder a pergunta, o homem fizera um gesto com a canhota para que a menina se aproximasse dele. De maneira obediente, ela se ergueu em um rápido salto girando nos calcanhares para poder encontrá-lo no final da sala. Em alguns passos, já se encontrava parada ao lado do outro, curiosa com a resposta que receberia.

— Quando você lança uma shuriken ou usa uma kunai contra algo, o que você está  fazendo?

— Tentando acertar o meu alvo? — Na cabeça da jovem menina, a mecânica do uso das armas era algo ainda muito simples, não havia qualquer estudo aprofundado ou muita técnica envolvida.

— Esse é o seu objetivo final, mas para conseguir alcançar ele você precisa ter um bom controle. Com as espadas não é diferente e costumamos dizer que o controle perfeito de uma é quando o usuário e a arma se tornam um só. — Enquanto explicava com calma e cautela para a criança, Hiaru revirava uma das gavetas do móvel que havia logo abaixo de onde a katana estava pendurada.

Em menos de dois minutos, o patriarca havia retirado de dentro da última gaveta algo que se parecia muito com a espada que lhe havia sido apresentada, porém um pouco menor e feita completamente de madeira. Por um instante Naoko não havia entendido a razão de ter uma falsa espada escondida entre as coisas de seu pai. Apesar da desconfiança, a menina permanecia atenta.

— Essa daqui é uma bokken de treino. Consegue ver como ela é bastante parecida com a katana original? Apesar de ser feita de madeira, o peso é idêntico à verdadeira, porém diminui o risco de se machucar. O máximo que pode conseguir é alguns calos nos dedos e talvez alguns roxos nos seus coleguinhas se for praticar com alguém — Por fim Hiaru entregou o protótipo para a garota e lhe deu dois leves tapinhas no topo da cabeça. — Vou te ensinar algo básico pra ir treinando, venha.
 

Considerações:

Munida da réplica emprestada por seu pai, a menina o seguiu até o porão da casa. Aproveitou do percurso para observar o instrumento de treino com um pouco mais cautela e entender como aquela coisa poderia ser funcional. O peso ao seu ver era bastante considerável quando comparado com o de uma kunai, arma a qual a menina já estava tão acostumada. Tinha a impressão de que se cansaria muito fácil, seus braços possivelmente não aguentariam a somatória do peso e constância dos movimentos que teria de fazer em caso de um combate, porém esperava que seu pai pudesse realmente lhe dar instruções úteis, já que havia começado com aquilo tudo e instigado a garota a nova prática.

Em poucos instantes, pai e filha ocupavam o novo cenário. O porão em questão era um espaço consideravelmente amplo, porém parte do ambiente servia como dispensa, ou seja, havia se tornado uma grande pilha de bagunça. Coçando a cabeça com a mão livre, Naoko se questionou se realmente era uma boa ideia usar daquele lugar. Normalmente a menina não podia descer ali, eram as regras de seu pai, Durante muito tempo ela vivera com a curiosidade de saber o que de fato havia no cômodo, ter descoberto que se tratava apenas de muita bagunça lhe deixou desapontada… Ou será que havia algo escondido ali? Em outro momento ela teria de descobrir.

— Enquanto não dá pra sair, você pode usar esse lugar pra treinar desde que não quebre nada. Se quebrar, sabe que vai ter que dar um jeito. — Hiaru dizia enquanto tratava de iluminar o lugar procurando pelo interruptor em uma das paredes. — Bom, existem algumas coisas importantes para se saber caso queira ser uma boa espadachim e conseguir aquela espada lá em cima. Primeiro, precisa ver ela como a extensão do seu corpo. Segundo, precisa senti-la como parte do seu corpo e terceiro, precisa usá-la assim.

Com um gesto da destra, o homem pediu para que tivesse a arma de treino entregue a ele. Sem demora, a menina entregou e seguiu observando de braços cruzados enquanto se esforçava para entender tudo o que ele dizia.

— Um bom domínio depende de um conjunto de coisas. Você precisa ser hábil, ter um bom equilíbrio e saber medir a força necessária no manejo até mesmo para não cansar indevidamente seus braços.— O mais velho colocou a espada de madeira presa entre a lateral do corpo e cordão que prendia o kimono do mesmo. — Além disso tudo, postura também vai ajudar quando manusear uma espada independente do estilo. — Por exemplo, você nunca deve estender demais os dois braços a menos que vá deferir um golpe. — E então Hiaru sacou a bokken como havia feito anteriormente com a espada real, porém nesse movimento permaneceu com os braços afastados do corpo em uma altura considerável acima da cintura. — Viu? Além de ser inviável em combate, seu braço vai cansar muito mais rápido. O ideal é que em posição de guarda você posicione os braços pouco afastados do corpo, uma das mãos mais próxima do abdómen sobre o umbigo. Nunca deixe a lâmina inteiramente na vertical e tão pouco na horizontal, vai dificultar se tiver que golpear rápido. Agora tente.

Naoko engoliu novamente o nó que havia se formado em sua garganta. Por mais que estivesse atenta à explicação feita pelo patriarca, não tinha certeza de que conseguiria fazer perfeitamente como o mesmo havia mostrado. Não queria desapontá-lo.

Ela tomou para si a espada de treino sentindo novamente o peso do objeto. Tentou posicionar as duas mãos sobre o cabo segurando com firmeza antes de levar a mesma à sua lateral esquerda. Sem prendê-la em nada, a menina simulou estar desembainhando e então guiou os braços para a frente do corpo. Fazer aquele movimento estando “armada” era completamente diferente de quando, algum tempo antes, havia realizado com seu instrumento fantasma. O peso da espada era sentido e a ação da superfície da mesma contra o ar também. Naoko havia realizado o movimento de maneira desengonçada, mas ao menos havia conseguido finalizar o mais próximo do que deveria ser.

Por um momento Hiaru se manteve em silêncio observando o ato da primogênita até que enfim deixou um suspiro pesado escapar e dera de ombros. — Bom, não está tão ruim pra uma primeira vez.
 

Considerações:

Naoko suspirou tão pesado quanto o pai durante os instantes em que deixava os braços caírem novamente na lateral do corpo e os ombros baixarem sutilmente relaxando. — “Não está ruim… Claro que está ruim!.” — Sabia que havia tido uma performance ruim e isso lhe deixava ligeiramente desconfortável. Ela se esquecia que tinha apenas dez anos e que fazer certas coisas com certeza seria mais difícil durante aquela fase. A menina contorceu os lábios e deixou a bokken sobre o chão enquanto para conseguir alongar os braços.

— Papa, acho que não vou conseguir fazer direito. — O tom de voz da garotinha era baixo, mas transmitia seu descontentamento quase palpável.

— Vai conseguir sim, eu te ensinei, basta continuar tentando até ficar perfeito. — E então com a destra, o homem dera novamente dois tapinhas sobre a cabeça da menina. — Quero que continue treinando esse movimento, comece devagar e depois tente acelerar gradativamente o movimento de saque. Vai conseguir fazer algo perfeito em algum momento Naoko… Você vai ser forte e continuar, não vai?

Em resposta ao homem, ela apenas balançou a cabeça concordando. Aquela última frase costumava rondar Naoko com certa frequência. Em tudo Hiaru tinha um jeito de encaixá-la, fosse para incentivar ou amedrontar a garota. De toda forma, naquela situação apenas servia como tentativa de ser gentil.
Antes que a morena pudesse dizer qualquer coisa, o mais velho se ausentou do cômodo deixando a pequena sozinha. — E voltamos para o estado normal.

Infelizmente – ou felizmente – ela estava certa. Estar sozinha com seus pensamentos e obrigação havia se tornado algo normal para a menina. Era saudável? Definitivamente não, mas era a realidade.
Sem querer perder tempo ou dar espaço para que a mente se enchesse de caraminholas, a aspirante a kunoichi voltou a dar atenção a sua nova modalidade de treino. Afinal de contas, por mais que parecesse difícil, seu pai estava certo, se ela dominasse aquele tipo de combate, no seu futuro seria vantajoso.

Respirando fundo, a menina voltou a tomar a espada de madeira em mãos. Tomou a posição inicial com a espada na lateral do corpo e seguindo com o movimento de saque tentando não virar muito o corpo ou os punhos. Como era de se esperar, sua segunda tentativa não havia ficado tão diferente da primeira, teria de descer um pouco mais os braços e curvar sutilmente a espada para que não ficasse completamente na vertical. Mais uma vez ela repetiu todo o movimento. Era como a receita de um bolo, havia os passos a serem seguidos e depois de decorados ela não precisaria se preocupar em ficar revisando, seria instintivo.
Longos minutos se passaram e a menina seguia repetindo a mesma ação, vez e outra tentava mudar um gesto, o posicionamento das mãos sobre a empunhadura da espada ou a forma como movia os pés quando tentava fazer o saque mudando de posição. No fim, ao seus olhos, tinha muito o que melhorar.

Considerações: