- Vamos Iori... Está na hora... – A voz grave de Genryuusai cortou a sala com seu tom característico. O céu ainda era escuro e o relógio de pulso recém-consertado do patriarca da família indicava 4 horas da manhã, denotando o fim da madrugada. – Revise uma última vez, pegou tudo?! –

De dentro de um quarto pequeno, Darkshine, nosso protagonista, saiu com os olhos vermelhos de sono e a cara emburrada. Nas suas costas uma mochila enorme. Quase tão grande quanto o próprio garoto. – Papai, pra quê tanta coisa?! Isso aqui deve ter 30 quilos... – Disse, referindo-se a mochila nas suas costas.
- 35 quilos... – O homem respondeu com um sorriso.
- ... – Darkshine o respondeu com um olhar desacreditado. E o silêncio.
- Você é um Senju, garoto... Isso não é nada para você... –
- Ihh... Começou, esse papo de Senju, Senju, Senju... Pai, ninguém liga... – O garoto deixou seu mau humor matinal falar mais alto.
- Como é, garoto?! – Genryuusai pareceu incrédulo. – Peraí... – As mãos do homem buscaram mais outra sacola. – Pronto... Leva mais essa também agora... Já que você tá tão machão com seu pai, vamos dividir o peso por igual... –
- Mas pai?! –
- Vamos garoto, deixa de conversa... –


O vento gélido de uma madrugada de inverno tocava a pele de Darkshine como um abraço da morte. Sentia todo o calor no seu corpo esvaindo-se e seus músculos enrijecendo. A carga as suas costas o castigava continuamente e o garoto sequer cogitava abrir a boca para reclamar, afinal, a energia que lhe restava era pouca para ser gasta com palavras. Olhou para o lado e viu seu pai caminhando tranquilamente, como se nada o acometesse. Como se a carga em suas costas fosse nada além de um pequeno detalhe.

- Garoto, mais 500 metros e chegamos... –
- Ufa! – A resposta de Darkshine foi inconsciente.
- 500 metros na vertical. – Genryuusai completou, apontando para cima de um morro, sorrindo.
- An?! – Darkshine demorou de acreditar nas palavras.
- O que foi? – O patriarca sorriu. – Filho, eu comecei a fazer esse percurso com o seu avô quando eu tinha os 6 anos... –
- E lá vamos nós de novo... –
- É sério, garoto... Você precisa sair um pouco desse seu mundo escondido e entender a vida... –
- Eu não sou você, pai... Eu nem pareço com você... Está na hora de você entender isso, não acha? – O mau humor do garoto permanecia enquanto a carga as suas costas, por incrível que pareça, parecia se tornar mais leve.
- Entenda uma coisa... – Genryuusai o segurou pelos braços enquanto falava. – Quer você queira ou não, você é um Senju... Meu sangue é o seu sangue... – Ele falava não como uma reclamação, mas como um conselho. – E veja bem, você tem é muita sorte de parecer com a sua mãe... – O homem sorriu. – Olhe para a minha cara... Beleza nunca foi o meu ponto forte. – O sorriso permanecia. – Então agradeça por nascer com o melhor dos dois mundos, ok? Agora pela sua insolência, você vai carregar mais essa sacola... Calma, só mais 10 quilos...  – Antes que Darkshine pudesse responder, o homem empurrou a nova sacola contra o peito do garoto, fazendo-o segurá-la como um reflexo.

O peso maltratava as suas costas, suas pernas doíam e seus músculos estavam enrijecidos. Cada passo dado era como uma tortura a mais para o garoto. Seu pai vez ou outra o encarava como se buscasse confirmar que estava tudo bem. Não estava, e ele sabia, mas talvez esse fosse o propósito.

- Eu já saquei o que você tá fazendo, você sabe né pai?! – Darkshine podia ser uma criança, mas seu intelecto era muito além. – Me fazer carregar peso por quilômetros subindo uma montanha, jogando cada vez mais carga... Você acha que eu nunca li seus livros sobre treino e desenvolvimento muscular?!
- Que bom que você sacou... – Genryuusai voltou a sorrir. – Então tome mais um pesinho. – O patriarca jogou a sua outra mochila, sobre a mochila que já estava nas costas do garoto. – Agora equilibre o peso, senão toda vez que ela cair você terá que pegá-la novamente. Faltam só 15 minutos de caminhada para o fim, te vejo lá em cima... – Genryuusai então correu em alta velocidade para o topo do morro, deixando Darkshine para trás num instante.

- Merda! – O garoto gritou quando a mochila caiu novamente das suas costas. – MERDA! MERDA! MERDA! – Todo o seu corpo doía e a raiva lhe consumia. Não conseguia entender porque o seu pai insistia naquilo. – Que saco... – Agachou, pegando a mochila com ambas as mãos e a jogou para cima da outra. Abriu a base das pernas, criando mais equilíbrio e flexionou um pouco seu joelho, numa angulação precisa para que aliviasse as dores na articulação do joelho. – Quem diria que os livros ajudariam, né pai?! QUEM DIRIA! – Gritou para o nada e voltou a se deslocar.
Os minutos restantes se esgotaram e quando chegou a topo, Darkshine se deparou com uma vista marcante. O nascer do sol se destacando no horizonte lhe acalentou o espírito e o corpo. Uma cena tão bela que não existiam palavras que pudessem descrevê-la. Nenhum livro conseguiria passar aquela sensação que sentia em seu âmbito.

- Entendeu agora, filho?! – A voz do velho saiu de dentro de uma pequena barraca de madeira levantada provavelmente por ele no topo do morro. – Venha, deixe-me ajudar... – O patriarca se aproximou, retirando as mochilas e sacolas, uma a uma. – Sabe quanto essas mochilas tinham de peso? –
- Você disse, pai... as grandes tinham 35 quilos, as pequenas 10... –
- Eu menti... – Ele falou gargalhando. – Você acabou de transportar 180 quilos nas costas... –
- Impossível... –
- Não, não é... Tá vendo?! Você pode até querer negar seus genes, mas eles estão aí por você... E sempre estarão... Assim como eu... Agora vamos, estou fazendo o rango... a nossa experiência está só começando... -              
- Como é?! Começando?! -

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- Vamos abrir essas mochilas... – Genryuusai colocou as sacolas que transportou lado a lado, no interior da cabana. Darkshine esquentava as mãos numa pequena fogueira acendida por seu pai, enquanto terminava de mastigar o último pedaço da carne preparada pelo mesmo. – Olhe com atenção, você vai adorar o que você trouxe... –

A mão direita do patriarca abriu as sacolas, uma a uma, enquanto o garoto buscava curioso com os olhos o conteúdo no interior delas. – Pô pai, aí você tá exagerando... – Enquanto uma das sacolas possuía todos os itens de sobrevivência necessários, todas as demais transportavam apenas anilhas de ferro. Com tamanhos diversos, pareciam representar cada uma delas um peso específico. – Você me fez carregar um monte de peso de academia, né?! –
- Né. – O Patriarca respondeu, sorrindo. – Na academia tentaram te ensinar o Shurikenjutsu né?! – O homem falava enquanto organizava as anilhas por peso no chão. – E se eu me lembro bem, você sempre foi uma merda nos testes, né?! –
- Né. – Darkshine respondeu da mesma forma.
- Então hoje vamos brincar de dar pedrada. – Genryuusai pegou uma das anilhas e a arremessou longe. – Só que ao invés de pedras, vamos arremessar anilhas de ferro. – Seu sorriso se manifestou de uma forma um tanto perversa nesse momento. – Primeiro num alvo estático... Depois um no outro... –
- Você vai jogar esses negócios no seu filho?! –
- Filho, seu avô já jogou um Boi em mim... – Ele falou sem muita surpresa. – Mas isso é assunto para outra hora... –

As duas mãos de Genryuusai se encontraram e bonecos de madeira se formaram diante dos olhos de Darkshine a exatos 20 metros de distância. O garoto já sabia o que o esperava e então estralou os dedos como se estivesse se preparando. – Que saudade de casa... – Sussurrou, enquanto olhava seu pai despejando algumas anilhas ao seu lado.

- Veja, vou começar com uma de 10kg. – O homem pegou a anilha e arremessou como um Shuriken na direção do boneco. O item fez um som intenso ao cortar o vento que acometia o topo do morro e ao atingir o boneco, criou um buraco bem no seu centro. – Garoto, isso se chama técnica e força de pegada. Hoje eu quero que você foque no seu desenvolvimento muscular, quero que se aproxime de suas capacidades inatas, ok?! –
- Tá chovendo no molhado pai, eu já entendi o que você quer que eu faça... – Darkshine escolheu a anilha mais leve, com 2kg cravejados em sua superfície. Posicionou-se e a arremessou com o máximo de força que possuía. O peso moveu no ar de forma esquisita e apenas cortou metade do trajeto para o seu alvo. – É, acho que não deu... –
- Não seja displicente, garoto... – Genryuusai caminhava em direção a anilha arremessada por seu filho, pegando-a em seguida e voltando para o lado de Darkshine. – Iori, você não está arremessando isso com foco. Entenda que um ninja com um dom físico como o seu, como o nosso, precisa desenvolvê-lo. – Ele dava uma aula extremamente entediante para os ouvidos do garoto. – Força de pegada é o mínimo para qualquer Shinobi de respeito... Você entenderá que se não tiver mãos fortes, se tornará um alvo fácil do acaso... –
- Pai... Mãos fortes?! Eu não vou cortar árvores... Já te disse que a minha arte está aqui ó... – O garoto respondeu, apontando para a cabeça.

Como um reflexo, Genryuusai deu um tapa na cabeça de seu filho e um som abafado poderia ser ouvido por toda a região. – Viu aí? Sua arte não serve de nada contra a minha... – O homem ironizou. – Vamos lá, foque nisso e eu prometo que já já estaremos de volta em casa... – O tom do homem ficava um tanto desmotivado. – De volta para seus livros e apetrechos... –

- Como se eu tivesse escolha né pai... Como se eu tivesse escolha... – Pegou novamente a anilha de 2 kg e dessa vez decidiu focar. Seus dedos firmaram na circunferência metálica e num movimento explosivo a arremessou contra o boneco de madeira. A anilha cortou o ar e fincou na perna direita do seu alvo, ficando presa lá. – Satisfeito?! – Darkshine respondeu, num tom rebelde.

- Agora 5kg. – Genryuusai respondeu, juntando novamente as duas mãos e desfazendo os bonecos de madeira de outrora, aproximando-os um pouco mais da dupla. – Vamos lá... –

Darkshine pegou a anilha de 5kg com a mão direita e a sentiu um tanto desconfortável. Os dedos curtos e a mão pequena dificultavam a movimentação. – Pai, não acho que vai dar certo não... –
- Vai sim... –

Com um tanto de dificuldade ela foi arremessada contra o alvo e o atingiu, não o suficiente para destruí-lo. – Ok, agora a de 10kg, o alvo se afastará... Ficará a 30 metros... –
- Pai, não vai dar... –
- Garoto, você reclama mais do que a sua mãe de TPM... Vamos logo... –

Darkshine não ousaria responder. Sacou a anilha de 10 kg e suas mãos sequer conseguiam encontrar uma forma minimamente confortável de carrega-la. Firmou os dedos contra a superfície metálica do peso e tentando repetir o mesmo movimento, o arremessou contra o seu alvo. A anilha escorregou e sequer conseguiu mover 5 metros no ar.

- De novo... – Genryuusai falou, enquanto os fortes ventos pareciam se intensificar. – Só sairemos daqui quando você conseguir. –

Darkshine buscou novamente a anilha e mais uma vez repetiu o movimento, seu antebraço estralou e a anilha foi arremessada contra o alvo mais uma vez, cortando uma distância de 10 metros. – Garoto, eu tenho todo o tempo do mundo... Adoro esse clima frio... –

O jovem, cada vez mais irritado, caminhou mais uma vez e buscou a anilha no chão. Seu pai sorria provocando-o e aquilo funcionava apenas como uma motivação para o recém formado Genin. Ele completaria o desafio e completaria da sua maneira. Lembrou-se de seus livros e conceitos de força centrífuga e aceleração. Instantaneamente sorriu de volta para o seu pai. – Não se preocupe pai, já já vamos encerrar esse treinamento... –

Segurou a anilha de 10 kg e colocou-se em posição. Esticou o braço direito e pressionou os dedos contra a superfície metálica o mais forte que conseguiu. Iniciou o movimento e ao invés de arremessar a anilha, começou a rotacionar seu corpo com o braço esticado e com força crescente. A cada rotação, Darkshine ganhava mais velocidade. Seu abdômen enrijecia, seus dedos pressionavam com ainda mais força a anilha e quando sentiu que estava em velocidade suficiente, arremessou a anilha contra o alvo a 30 metros. A mesma cortou o ar em altíssima velocidade e atingiu seu alvo, destruindo-o por completo. – Rá! Consegui! –
- Não valeu! –
- Valeu sim, pai! – Darkshine sorria, provocante. – Deixa de choro! –
- É, você está certo... – Genryuusai deu de ombros. – Valeu sim... – Pela primeira vez, o homem parecia reconhecer o potencial diferenciado do filho. A ideia de mesclar o físico com um intelecto fora da curva começou a se desenhar na cabeça do patriarca, motivando-o ainda mais para a continuidade de outros treinamentos. – Descanse, garoto! Descanse! Já já faremos outros treininhos... – O homem dizia, sorrindo animado.
- ARRRRGH! -      

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- CHEGA DE DESCANSO! – O grito de Genryuusai interrompeu o cochilo de Darkshine como uma tapa na cara.
- Que isso cara... – O garoto coçou os olhos, ainda se reorganizando mentalmente. – Pra que isso, pai?! –
- Vamos, está na hora de voltar para casa... – Genryuusai levantava e colocava as mochilas em suas costas. A atitude dava certa tranquilidade para o jovem garoto, que acreditou por um instante que os treinamentos insuportáveis teriam acabado. – Sua mãe já deve estar preocupada... –
- É, com certeza! – Darkshine levantou, aliviado. – Vamos! –
- Mas antes... – O patriarca emitiu um sorriso maléfico. – Antes não... Durante... – O homem parecia o próprio satanás. – Vamos brincar um pouquinho... –
- Ahh não... –
- Fique quieto, garoto! – Genryuusai cortou, sem ocultar o sorriso. – Você lembra que eu te disse que o seu avô arremessou um boi em mim?! – As histórias desinteressantes voltavam a ser contadas. – Então observe, não temos bois aqui... Mas teeemos?! – O homem apontava para a mochila e parecia querer ouvir uma resposta.
- Anilhas, pai... Anilhas... – “El brillo oscuro” respondeu incrédulo.
- Exatamente, ANILHAS! Vamos fazer uma corrida de volta para casa... Contarei até três e começaremos. Porém... – O garoto sabia que seria esse o momento do paralelo com a história do boi. – Porém, eu arremessarei essas anilhas contra você... Esquive-se delas e corra... –
- Arrrgh! – Darkshine começava a acreditar que seu pai possuía algum grau oculto de psicopatia. – Não joga as pesadas, velho... – E então começou a correr, sem aguardar nenhum sinal do patriarca. Cansado de sair na desvantagem.
- Ahhhh seu sacana! – Genryuusai gritou sorrindo, e então iniciou a corrida.

O garoto sentia seus pés protegidos pela bota afundando na neve enquanto se deslocava. Havia um misto de desespero e excitação no menino com aquele cenário e o mesmo eventualmente olhava para trás, enxergando Genryuusai correndo com as mochilas e uma anilha em cada mão. O patriarca parecia se divertir com a tensão crescente de Darkshine que apenas corria com tudo o que tinha, morro abaixo.

O garoto se mantinha atento as diferenças do terreno para que eventualmente não deslizasse ou tropeçasse. Cortava os ares com os braços para trás, assim como foi ensinado na academia (não me pergunte por que), quando o primeiro impacto veio. Na perna esquerda a anilha atingiu o pé da passada, fazendo com que tropeçasse e caísse rolando por alguns metros no solo frio e branco, tomada por neve. – AAAAAAAI! –
- Você perdeu a atenção, garoto! – Genryuusai reclamou. – Corra não como um animal, mas como um Shinobi! Nunca esqueça isso! – Os ensinamentos continuavam.
- Eu não tenho olho na nuca, pai! –
- Escute! Esquive! Aja! Você não é um sujeito qualquer garoto! Nós Shinobis não estamos estudados em seus livros de anatomia, Iori! Sinta! –

E então o menino levantou e correu, mais uma vez. As palavras de seu pai realmente faziam sentido. Como todas as outras vezes, na verdade. E por mais que nunca fosse admitir abertamente, pelo menos não agora, o garoto Senju sentia uma adrenalina inédita em sua vida.

Ele seguiu correndo, em fuga. Calibrou os ouvidos e enquanto seus olhos focavam nas variações de terreno, sua audição buscava o som do arremesso das anilhas. A segunda arremessada de Genryuusai veio e Darkshine conseguiu antecipá-lo. Um salto em alta velocidade, fez com que a anilha passasse direto. E os arremessos continuaram e as esquivas também.

A sensação de sucesso calibrou negativamente o seu corpo para uma tranquilidade problemática e por isso, a próxima esquiva falhou. – Não baixe a guarda, Iori! – Genryuusai gritou. – Nunca baixe a guarda no mundo Shinobi... Você não está escondido em seu quartinho em casa!

O garoto levantou, mais uma vez. E correu novamente, com o máximo que tinha. Sua mente estava 100% focada e seu corpo em movimento. Era como uma meditação dinâmica. Sem outros pensamentos, apenas foco. Puro. Quando o som da anilha em movimento cortava o ar, o jovem esquivava. E esquivava. E saltava. Agachava. Sempre em movimento. Quando menos percebeu, seus olhos se depararam com a porta de casa. Seu corpo completamente suado, ofegante, cansado. Porém satisfeito.

- Eai filhão... Curtiu?! – Genryuusai colocou a mão sobre a cabeça do menino, sorrindo. Não demonstrava nenhum pingo de suor no corpo, como se aquilo para ele não fosse nada.
- Esqueça que eu disse isso, pai... Mas curti... -    

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