Mentira. O sujeito atrás da tela não se atreveria a escrever um enredo tão superficial. Digo, talvez seja verdade. Sei lá. É que tem alguns pormenores que deveriam ser ditos aqui, como quando o sujeito psicótico invadiu a nossa pacata residência, 13 dias após o meu nascimento. Viu? As coisas parecem simples até que tchum, num piscar de olhos começa a descacetação generalizada. Hoje, penso que era como se aquele momento estivesse sendo arquitetado muito antes de chegar ao ventre de Hanna. Pobrezinha, aliás. Ela era só uma garçonete que fora introduzida à desgraça pelos instintos primitivos de um shinobi galante. Dan e Hanna. Não os conheci. Depois daquela noite, jamais conheceria.

　　　　 É irônico considerar que minhas melhores memórias foram naquela prisão de ouro. Como tava lá desde que era um catarrento de frauda, nunca tive ideia do real propósito por trás daquele local. E, porra, aquelas pessoas sabiam como criar um gado para o abate! Fui criado até os 7 anos naquele suposto orfanato: uma mansão gigantesca cercado pelo verde. Um pedaço do paraíso habitado por crianças excepcionais. A vida era boa ali. Havia comida e mimos, boa companhia e um espaço excelente para explorar. Brincávamos, estudávamos e treinávamos como parte da rotina. Sempre fui meio merdeiro, né, então também tomava alguns corretivos vez ou outra. Nada muito determinante e nem digno de traumas. Tirava sarro dos amigos, paquerava as menininhas e infernizava as tias a dar com pau. De alguma forma eu me destacava entre os rapazes, tanto em talento quanto em idiotice. Era top.

　　　　 Essa vida mansa desmoronou num estalar de dedos, assim como todo aquele teatro. Vendo da perspectiva de quem lhe faz esse relato, eu já deveria ter percebido uns negócios estranhos. Algumas crianças desapareciam periodicamente, outras alteravam seu humor da noite para o dia. Sei lá. A verdade é que aquela farsa toda não passava de um esquema doentio para alimentar a besta. Coisa de doido. Aquele complexo nada mais era que uma operação clandestina que girava em torno de uma única entidade. Éramos todos crianças com habilidades e talentos inatos que careciam de grandes nomes, mas carregavam algum prestígio em sua linhagem. Alimentar a besta. Eu nunca fui tão à fundo para entender.