A neve era branca e atingia a altura dos calcanhares. Na Vila da Folha, a sua brancura recobria os telhados de madeira, forrava a terra com um fino e macio tecido e polvilhava as ventanias enquanto caíam lentas sobre as pessoas. Naquele país estrangeiro, por outro lado, se amontoava como um pequeno riacho engolindo os pés dos caminhantes. Na cidade, era possível ver moradores com pás de neve em mãos, arrastando o acúmulo para os becos. Ninjas hábeis na natureza do fogo explanavam suas habilidades em grandes anéis de fogo sobre a cidade, aquecendo os mais pobres e contendo a chegada da nevasca. Na medida em que passeava pelo distrito comercial, outrora amontoado por todo tipo de gente, Isabel percebeu que as coisas ficavam mais "frias" durante o inverno, num sentido não jocoso da situação. Muitas lojas haviam fechado, vitimadas pela falta de clientela, e as poucas que se mantinham abertas não angariavam mais que um ou dois clientes.

A menina desceu o olhar sobre as mãos. Os dedos pareciam banhados numa vermelhidão rosácea, até dolorida. Por mais que um cachecol e um sobretudo lhe mantivessem abrigada da friaca, não tinha luvas para mantê-la protegida do inverno. Por coincidência, avistou um par delas no mostruário de uma das lojas, e decidiu dar uma olhada. Assim que entrou, os sinos dourados preso às portas da loja ressoaram, anunciando a chegada de um novo cliente. Não tardou para que um rapaz alto, de tronco largo e cabeça diminuta, lhe abordasse de supetão.

— Bem vinda à "Encantos da Neve", mocinha. Está procurando alguma coisa? — Ele tinha um sorriso bobo na cara e parecia apreensivo com a resposta. Isabel imaginou que talvez o sorriso servisse para conecta-los por meio da simpatia. Era provavelmente assim que ele e muitos outros atendentes faziam para enlaçar seus clientes. Ela soltou um suspiro breve, liberando dos lábios uma neblina suave e passageira.

— Preciso de luvas. Esqueci de compra-las da última vez em que estive na cidade. — Disse a menina com um semblante de neutralidade. O sorriso do atendente esmaeceu. Isabel, perceptiva como era, anotou aquele detalhe. Em algum lugar das memórias havia um comentário chistoso da parte de Caiaphas, inquirindo a Uchiha a ser mais receptiva, agradável ao público com quem falava. Ainda que aqueles fossem estrangeiros à ela, não eram ninjas, nada fizeram contra a sua pátria ou aqueles com quem se importava. Não era mal que fosse um pouco agradável. — Eu não entendo muito sobre tecidos, mas gosto da cor preta. Você tem sugestões? — Agora era ela a dar um sorriso ao rapaz. Percebeu de pronto o sucesso, na forma de um reavivamento na postura e no semblante do jovem.

Ele fez um gesto para que Isabel o seguisse e rumou aos fundos da loja. Isabel seguiu seus passos. Findaram a curta caminhada frente a uma espécie de suporte de ferro onde descansavam meias, cuecas e luvas, todas cuidadosamente organizadas e separadas em saquinhos plásticos transparentes.

— Como pode ver, temos diferentes modelos de luvas para crianças. — A palavra atingiu Isabel de surpresa, e a menina arqueou uma sobrancelha. O atendente pegou um dos saquinhos e tirou uma das luvas, e então continuou. — Nossas luvas são forradas internamente por um tecido chamado Fleece. O Fleece é um tecido tipo flanela, que possui um material sintético que atua como isolante térmico, muito útil no frio intenso. É um tecido leve, macio e respirável.

— Atrapalha na mobilidade? Pode pegar fogo? — Aos olhos do atendente, Isabel fazia perguntas demais para uma civil em busca de luvas que protegessem-na do frio. Suas feições eram de confusão, talvez suspeita. Preocupada com seu disfarce, a menina decidiu atuar, contar uma história simples e crível, que se ajustasse às antigas falas sem que desse margem para novas perguntas. — Meu pai é ferreiro e eu estava pensando em pedi-lo para me ensinar a trabalhar na forja. Se eles podem pegar fogo facilmente, então acho que devo escolher outras.

O rapaz deu um suspiro de alívio. Era só uma garotinha. — Nesse caso, eu te recomendaria as luvas de couro animal, mas acho que podem ser um pouco problemáticas quando você for manusear coisas muito técnicas. — Ele parecia realmente interessado em toda aquela explicação de materiais, suas propriedades, vantagens e desvantagens. Isabel pensou que o melhor ali era continuar em silêncio, valendo-se meramente de gestos que lhe fizessem continuar falando e agradando si próprio com o resultado do seu monólogo. Ele sacou do suporte um outro par de luvas, estas de um material diferente.

— Essas são do quê? — Isabel perguntou antes que ele falasse, demonstrando interesse. Outra técnica de comunicação que imaginou ser tão versátil numa conversa casual quanto era quando mentia.

— Tecido térmico shinobi. É um pouco mais resistentes que as peças mais comuns, mas certamente é maleável e não queima fácil.

A menina coçou o queixo. Parecia preocupada com alguma coisa. — Não tem problema em usar algo assim por aí? Você sabe, sou jovem e devo ter a mesma idade da tal invasora da vila. Não quero acabar me metendo em confusão. — Mentiras, mentiras e mais mentiras. No entanto, essa era uma matéria que dominava mais do que a comunicação. Para plantar uma boa falácia, bastava pinta-la com fatos verídicos.

— As pessoas compram destas o tempo todo, eu acho que não. Vamos fazer assim, se comprar um par o outro sai pela metade do preço.

— Fechado. Onde é que eu pago? — A menina aceitou e perguntou, dando um último sorriso antes que se dirigisse ao caixa.

Isabel  HP: 900/1000, Chakra: 2254/2350

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O sol estava se pondo. De pé, sobre a murada de um prédio, a Uchiha observava a cidade, à aproximação do crepúsculo. Tinha uma expressão soturna e reservada, um amálgama entre a filha confusa, irritada pela descoberta da mãe, mas esperançosa para que os rumores sobre a sua sobrevida fossem verdadeiros, e a ninja atenciosa, observando uma cidade forrada pelo frio flertando com a noite. Uma rajada de vento sacudiu os cabelos negro-prateados, balouçando os fios soltos da infiltrada. Ela caçou um pequeno laço dentro do bolso do casaco e os prendeu com uma fita. Caminhou através da beirada do edifício e então saltou, deixando que as sombras lambessem sua silhueta e se perdendo na escuridão.

Caminhar nas ruelas de Kirigakure no Sato era perigoso, mas igualmente engrandecedor. O passado de Isabel era sempre descrito como recheado de florestas com animais e plantas, mas nenhum desses espécimes trazia à menina tanto conhecimento quanto os humanos. Seu andejar era muito diversificado: haviam aqueles que despachavam-se apressados pela calçada; outros com mais habilidade que saltavam sobre os prédios; em raros casos os que nem mesmo caminhavam, mas eram carregados por longas charretes adornadas em prata e ouro. De quaisquer das formas, a menina conseguia extrair de mera observação à que esfera social cada uma daquelas pessoas pertencia, e se perguntava o que seria necessário para que se sujeitassem às suas vontades.

É claro, era hábil nas artes da tortura, da enganação e conhecia alguma coisa sobre ilusões, mas acreditava que estas eram ferramentas incompletas de controle. O verdadeiro domínio sobre alguém está em fazê-la obedecer por vontade própria, dando aquilo que ela quer em troca de lealdade. As palavras saltaram dos neurônios dançando dentro da cabeça, mas era apenas a memória de um livreto. Muitos deles haveriam de ser dominados por meio do capital, longas quantias de dinheiro que certamente encheria os seus bolsos e lhes cegaria de qualquer forma de decência que engessasse o seu agir. Outros deles, no entanto, calcavam suas ações em valores mais nobres como honra, prestígio e reputação, e não haveria dinheiro no mundo que lhes faria se virar contra os seus valores.

— Então como...? — A menina recostou as costas sobre a janelas de um restaurante que não mais abria as suas portas. A vontade daqueles que agora visitavam os domínios dos seus pensamentos deveria ser manipulada de uma forma diferente. Pensar naquilo pareceu ter consumido alguns dos neurônios da menina, ou talvez fosse a friagem que lhe dificultasse o processamento das informações. Qualquer fossem as respostas, o resultado chegou como uma lâmpada que se acende numa noite escura, iluminando os caminhos que levam ao saber. Estes deviam ser dominados pelo exemplo. Diferente dos outros, em que se encadeava alguma forma de barganha em seus pescoços, os nobres e os honrados seguiriam e obedeceriam somente àqueles em quem acreditavam; não era necessário possuir as virtudes que tanto cobiçavam, mas ao menos parecer detê-las em lustrosa quantidade, o suficiente para lhes encantar os olhos e o coração. Isabel acostumou-se a chamar aquilo de "O Avatar das falsas virtudes".

Isabel  HP: 900/1000, Chakra: 2350/2350

Importante:

Armas:

Técnicas:

Uma pequena lagartixa caçava em meio a relva rasteira quando foi capturada pela Uchiha. Ela debateu-se entre os dedos de Isabel, buscando forças em seus pequeninos músculos para que pudesse escapar da pegada do predador, mas não adiantou. A kunoichi da folha era um milhão de vezes mais poderosa. Mas em vez de devora-la, como era o que imaginava a pobre lagartixa, a kunoichi limitou-se a olha-la nos olhos. De repente, os olhos tingidos de um azul cerúleo macularam-se com vermelho sangue. Três virgulas enfeitavam a íris e concediam maior acuidade visual à Uchiha. Com o contato visual, valeu-se do seu próprio chakra e do contato visual como meio para uma ilusão simplória, suficiente para que o pobre animal se visse cercado por um mar de lava.

Mas assim que o colocou no chão, Isabel percebeu que algo estava errado. A criatura estava sim parada, temerosa pela maresia ardente que se projetava diante dos seus olhos, mas não parecia plenamente convencida de que aquilo era real. Isabel observou-a por um momento, tentando entender o motivo, e logo a observação trouxe frutos: os sentidos. Sua ilusão era de longe a mais simplória das técnicas, uma mera alteração do que a criatura via, sem detalhismos como o cheiro de enxofre, o calor aquecendo a pele e a fumaça estourando de bolhas dispersas de lava. Em outras palavras, aquela era uma tentativa forçada de se imitar a realidade, sem atentar-se às características peculiares que tornavam-na realmente "real".

— Como é que eu posso fazer isso ficar um pouco melhor? — A kunoichi indagou a si mesma, deixando a mão no queixo como num gesto de pensamento. Manipulando o fluxo do chakra no cérebro da pequena criaturinha, a Uchiha moldou-o de forma que a ilusão se enfeitasse um pouco mais. Primeiramente aquilo ocorreu na forma de um odor característico a um ambiente com lava, algo que necessitou de diversas tentativas até que finalmente a criatura começasse a comportar-se de uma forma um pouco mais coerente com aquilo que observava. Se outrora estava meramente parada, agora a lagartixa recuava, prendendo as pequenas patinhas na rocha em que estava enquanto busca evitar de todas as formas o mar de lava. Com um pouco mais de precisão na passagem de chakra, Isabel fez com que a criatura visse pequenas partículas flutuantes escapando da lava, como forma de dar mais peso à sua existência e também de mostrar àqueles que observavam-na que ela interagia com o ambiente. Será o bastante? Isabel questionou-se, preocupada. Uma coisa era manipular e controlar o que era visto por uma criatura irracional, incapaz de raciocínio lógico avançado. Outra completamente diferente era manipular um shinobi em batalha, quando seus sentidos estão mais afiados e no momento em que ligeiras mudanças no fluxo da batalha podem ser facilmente captadas. Além disso, como usuária do Sharingan era suposto que se valesse do uso de ilusões, de maneira que seus adversários sempre teriam um pé atrás quando se tratasse de encarar o que era ou não realidade.

A resposta para o seu questionamento, portanto, não era a correção, mas a perfeição em primeira tentativa. Se executasse uma ilusão falha e cheia de buracos, não haveria outro momento para corrigi-la. Era uma jogada de chance única, com pouquíssima ou nenhuma chance de sucesso. Preocupada com aquilo, a kunoichi novamente tomou a lagartixa em suas mãos, liberando sua mente da ilusão que a enganava, e então repetiu o processo. Desta vez, no entanto, a Chunin mostrou-se especialmente perfeccionista e atenta na maneira em como o controle de chakra — responsável pela manipulação do fluxo energético no cérebro da lagartixa — causava alterações na ilusão. Em vez de meramente adicionar um modelo ilusório base e ir adicionando os detalhes, Isabel decidiu acumular todos os detalhes e alterações numa só tacada, a ser enviada ao cérebro da criaturinha no exato momento em que a ilusão fora construída. Desse jeito, evitaria que o animal estranhasse as mudanças na ilusão — afinal não existiriam — e ao mesmo tempo garantiria um maior tempo de enganação.

E como esperado, a criatura foi completamente dominada por seus intentos. A pequena lagartixa grunhiu diante dos rios de lava que cercavam seu pequeno monte de pedra, enrolou-se com a própria cauda e passou a tremer sobre a pedra, preocupada enquanto sentia as patas se aquecerem com o esquentar da rocha.

Mas Isabel não permaneceu trabalhando muito na ilusão. Era contrário à sua índole escravizar animais inocentes e por isso assim que desfez a ilusão, tratou de tirar da bolsa um punhado de ervas e frutinhas que havia colhido na floresta, na esperança de que o animal se sentisse recompensado e não decidisse a odiar pelo pecado cometido. Imaginou que provavelmente teria de repetir aquele treinamento com outras espécies por ai, mas estava compelida à ideia de recompensar cada uma delas pelo esforço.

Isabel  HP: 1000/1000, Chakra: 2350/2350

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